quarta-feira, 4 de outubro de 2017

CARTA A ANTONIO PALOCCI





Carlos Andreazza

  

O senhor nunca me enganou. Nem quando era vendido como petista pragmático, interlocutor dos mercados e fiador de Lula junto ao setor produtivo. Nunca me enganou. E é provável que mesmo os que então o compravam não se enganassem. Havia dinheiro a ganhar, porém. E, nisso, numa grande ode à desfaçatez, estavam todos afinados — não é? 

Talvez seja o caso de informar que este que lhe escreve não é um idiota. Para mim, o senhor sempre foi aquele sob cuja gestão SE QUEBROU O SIGILO BANCÁRIO DE UM CASEIRO que, segundo a mente mafiosa, poderia comprometer o ministro da Fazenda — um dos mais representativos episódios sobre até onde o petismo pode ir para defender seu projeto de poder, ataque do Estado a um indivíduo. Barbárie mesmo depois da qual o senhor não apenas coordenaria a primeira campanha de Dilma como ainda lhe seria chefe da Casa Civil. Para mim, isso é — sempre foi — Palocci e PT. 

Que o senhor não tenha dúvida sobre minha pretensão de ser direto. Li sua carta à senadora Gleisi e ao comando da organização que ela dirige. Analisei-a sob a desconfiança que o histórico de sua vida pública impõe, o que estabelece premissa incontornável: se é provável que revele verdades, muito maiores são as chances de que o faça para esconder outras tantas. GENTE COMO O SENHOR FOI TREINADA PARA NÃO AGIR SENÃO COM MÉTODO. É preciso ter límpido, pois, o entendimento sobre as condições em que resolveu falar. 

Não é porque se trate de um petista entregando outros que devem ser afrouxados os critérios sobre o peso probatório daquilo que se tem a relatar. Quem delata ou negocia para delatar É BANDIDO CONFESSO. Aqueles delatados, não. Não necessariamente. Sim: não acredito no senhor; mas isso só desqualificará sua delação se o conteúdo do que alcaguetar for tratado como algo mais do que meio para obtenção de prova. Não importa se Odebrecht, Batista, Funaro, Cunha ou Palocci, qualquer um nessa posição é um encrencado — um preso, condenado ou em vias de — em busca de aliviar a própria barra. 

Não sou — admito — um homem desprovido de perversões. Sei apreciar uma boa estratégia mesmo que traçada pelo pior dos canalhas. DIVIRTO-ME COM O XADREZ QUE O SENHOR ESGRIME CONTRA OS DE SEU PARTIDO. É pura ciência. O SENHOR CONHECE A RAÇA E, COMO É INTELIGENTE, TEM CONSEGUIDO SE MANTER ALGUNS CORPOS À FRENTE ATÉ DE LULA. Como é inteligente e cínico, está à vontade para aplicar um xeque-mate como esse em que questiona o fato de o PT nunca o ter punido pelos crimes em decorrência dos quais foi condenado, mas se mobilizar para penalizá-lo agora que se dispõe a revelar as ilegalidades cometidas pelo partido no curso dos anos em que governou o país. 

É devastador o poder político de uma crítica moral feita por um amoral. O senhor é o que se chama de petista histórico — um fundador, prefeito pioneiro (junto, aliás, com Celso Daniel) nos projetos-piloto que testaram o modelo de ocupação do petismo. O senhor é um sobrevivente à procura de sobreviver, e sabe que as acusações de um de dentro dinamitam o blá-blá-blá de que a elite se articula para derrubar as conquistas do povo. Não é mais um empreiteiro a destampar os fundos — fornidos de propina — para sustentar a expansão autoritária do partido, mas ANTONIO PALOCCI, O FORMULADOR DA TAL “CARTA AO POVO BRASILEIRO”, UM DOS PILARES DO CASTELO DE CERA SOBRE O QUAL O PT ERIGIU SUA FARSA. O senhor sabe a força que tem — força que é também de barganha. 

Por favor. Sua principal motivação não é que toda a verdade seja dita, sobre todos os personagens envolvidos; mas que alguma, sobre alguns, baste para um acordo que abrevie os anos de cadeia. Falar a verdade — ou convencer de que o faz — é sempre o melhor caminho a quem não tem alternativa. O senhor não decidiu colaborar com a Justiça por estar arrependido e disposto a contribuir para a apuração de crimes etc. A sua própria carta oferece os elementos indicativos de que não se compungiu senão dos erros de procedimento que afinal expuseram o assalto petista ao Estado. 

O senhor é inteligente, mas vaidoso. E, quando se elogia, se trai. Lula não sucumbiu ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo. Lula e o PT sempre foram Lula e o PT, e o que o senhor chama de melhor dos momentos é aquele, exato, em que o projeto de dominação petista encontrou o veio — o mito do pré-sal — por meio do qual se robustecer e avançar. O senhor, objetivamente, considerava isso necessário — e trabalhou pelo sucesso do aparelhamento: para ver em movimento, na prática, a própria definição de esquerda no poder, inflando o Estado para ampliar a superfície a ser pilhada. E ESTARIA LÁ, A SERVIÇO, AINDA HOJE, NÃO TIVESSE A CASA, ENFIM, CAÍDO DE VEZ. 

Por isso chama de “mau governo” o de Dilma. Não por haver redobrado as apostas irresponsáveis do antecessor, mas porque, incompetente em todos os sentidos, acelerou o derretimento do legado artificial lulista, o que escancarou — sem dinheiro para novas defesas populistas — a “REDE DE SUSTENTAÇÃO CORRUPTA” do esquema partidário. 

O senhor sente saudade de quando a aprovação do governo Lula era de 95%, ambiente de fartura propício ao desenvolvimento do MAIS AMBICIOSO PROJETO DE TOMADA DO ESTADO POR UM PARTIDO DA HISTÓRIA DO BRASIL. O senhor sente saudade de quando ainda havia petrodólares para COMPRAR O ENGANO ALHEIO — essa, a saudade do vício, a essência de sua carta...

Um comentário:

Waltão disse...


LULANÓQUIO !!!!

Lula teve um novo encontro com o microfone nesta terça-feira. Discursou num ‘petromício’ defronte do prédio da Petrobras, no Rio de Janeiro. Autoproclamou-se novamente um neo-Tiradentes. Sobre o mártir autêntico, declarou: ''Eles mataram a carne, mas não conseguiram matar as ideias libertárias.'' Sobre si mesmo, afirmou: ''O Lula não é mais só o Lula. O Lula é uma ideia assumida por milhões de pessoas.''

No discurso de Lula todos mentem, menos o orador. “A imprensa mente muito a meu respeito. A Polícia Federal, sobretudo a turma da Lava Jato, mente muito a meu respeito. O Ministério Público da Lava Jato mente muito a meu respeito. E o Moro aceita as mentiras.” Ironicamente, Lula só não falou sobre o companheiro-delator Antonio Palocci, versão petista de Joaquim Silvério dos Reis.

Organizado por petroleiros, o ato festejou os 64 anos da Petrobras. Para Lula, a estatal não deve ser vista apenas como uma companhia petroleira, mas como instrumento de política econômica. ''Tem mais de 20 mil empresas que dependem dela'', declarou a certa altura.

Considerando-se que o mensalão e o petrolão são dois escândalos que têm raízes nos governos de Lula, é impossível deixar de reconhecer sua autoridade para discursar sobre a mentira e os mentirosos. Excetuando-se o silvério Palocci, ninguém ousaria discutir com tamanho especialista.

Mal comparando, o discurso de Lula às vezes faz lembrar uma galhofa de Tim Maia. O gênio da música brasileira costumava proclamar: “Não fumo, não bebo e não cheiro. Só minto um pouco.”